Mas, será que crianças não
nascidas não têm direito à vida?
No meu entender, há dois pontos
cruciais em torno dos quais gira as questões éticas e morais relacionadas com o
aborto provocado. O primeiro é quanto à personalidade do embrião. O segundo,
quanto à santidade da vida.
O primeiro ponto depende da
resposta a essa pergunta: quando é que, no processo de concepção, gestação e
nascimento, o embrião se torna um ser humano, adquirindo assim o direito à vida?
Muitos que são a favor do aborto argumentam que o embrião, e depois o feto, só
se tornam um ser humano após determinado período de gestação, antes do qual
abortar não seria assassinato. Em 1973 a Suprema Corte dos Estados Unidos
passou uma lei permitindo o aborto, argumentando que uma criança não nascida
não é uma pessoa no sentido pleno do termo, e portanto, não tem direito
constitucional à vida, liberdade e propriedade. Agora o Supremo Tribunal
Federal decide que até três meses depois da concepção não é crime matar pelo
aborto a criança não nascida. Entretanto, muitos biólogos, geneticistas e
médicos concordam que a vida biológica inicia-se desde a concepção. As
Escrituras confirmam este conceito ensinando que Deus considera sagrada a vida
de crianças não nascidas. Veja, por exemplo, Êxodo 4:11; Êxodo 21:21-25; Jó
10:8-12; Salmo 139:13-16; Jeremias 1:5; Mateus 1:18; e Lucas 1:39-44. Apesar de
algumas dessas passagens terem pontos de difícil interpretação, em termos
gerais a Bíblia ensina que o corpo, a vida e as faculdades morais do homem se
originam simultaneamente na concepção.
Os Pais da Igreja, que vieram
logo após os apóstolos de Cristo, reconheceram esta verdade, como aparece
claramente nos escritos de Tertuliano, Jerônimo, Agostinho, Clemente de
Alexandria e outros. No Império Romano, o aborto era praticado livremente, mas
os cristãos se posicionaram contra a prática. Em 314 o concílio de Ancira
(moderna Ankara) decretou que deveriam ser excluídos da ceia do Senhor durante
10 anos todos os que procurassem provocar o aborto ou fizessem drogas para
provocá-lo. Anteriormente, o sínodo de Elvira (305-306) havia excluído até a
morte os que praticassem tais coisas. Por todos estes pontos acima, os cristãos
em geral entendem que crianças não nascidas são seres humanos, são pessoas, e
que matá-las é assassinato.
É verdade que não há um preceito
legal na Bíblia proibindo diretamente o aborto, como “Não abortarás”. Mas a
razão é clara. Era tão inconcebível que uma mulher israelita desejasse um
aborto que não havia necessidade de proibi-lo explicitamente na lei de Moisés.
Crianças eram consideradas como um presente ou herança de Deus (Gênesis 33:5;
Salmos 113:9; 127:3). Era Deus quem abria a madre e permitia a gravidez
(Gênesis 29:33; 30:22; 1 Samuel 1:19-20). Não ter filhos era considerado uma
maldição, já que o nome de família do marido não poderia ser perpetuado
(Deuteronômio 25:6; Rute 4:5). O aborto era algo tão contrário à mentalidade
israelita que bastava um mandamento genérico, “Não matarás” (Êxodo 20:13). Mas
os tempos mudaram. A sociedade ocidental moderna considera ter filhos como um
obstáculo à realização individual do homem e da mulher em especial, de ter uma
boa posição financeira, de aproveitar a vida, de ter lazer, e de trabalhar.
O segundo ponto tem a ver com a
santidade da vida. Ainda que as crianças fossem reconhecidas como seres
humanos, como pessoas, antes de nascer, ainda assim suas vidas estariam
ameaçadas pelo aborto. Vivemos em uma sociedade que perdeu o conceito da
santidade da vida. O conceito bíblico de que o homem é uma criatura especial,
feito à imagem de Deus, diferente de todas as demais formas de vida, e que
possui uma alma imortal, tem sido substituído pelo conceito humanista do
evolucionismo, que vê o homem simplesmente como uma espécie a mais, o Homo
sapiens, sem nada que realmente o faça distinto das demais espécies. A vida
humana perdeu seu valor. O direito à continuar existindo não é mais determinado
pelo alto valor que se dava à vida humana, mas por fatores financeiros, sociológicos
e de conveniência pessoal, geralmente utilitaristas e egoístas.
Esses pontos devem ser encarados por todos os cristãos.
Esses pontos devem ser encarados por todos os cristãos.
Evidentemente, existem situações
complexas e difíceis, como no caso da gravidez de risco e do estupro. Meu ponto
é que as soluções sempre devem ser a favor da vida – inclusive da vida do feto.
No caso do estupro, mesmo reconhecendo o sofrimento da mulher estuprada,
devemos nos perguntar se a solução é matar a criança, que por sinal, não tem
qualquer culpa da tragédia. Não podemos esquecer que o feto, mesmo o que tem
problemas de malformação, é um ser humano, com direito à vida tanto quanto os
que já nasceram. No caso da gravidez de risco, gosto de lembrar o que escreveu
C. Everett Koop, ex-cirurgião geral dos Estados Unidos: “Nos meus 36 anos de
cirurgia pediátrica, nunca vi um caso em que o aborto fosse a única saída para
que a mãe sobrevivesse”. Sua prática nos casos de gravidez de alto risco era
provocar o nascimento prematuro da criança, dar todas as condições para sua
sobrevivência, e deixar a natureza seguir seu curso.
Ao
mesmo tempo, é preciso que a Igreja se compadeça e auxilie os cristãos que se
vêem diante deste terrível dilema. Condenação não irá substituir orientação,
apoio e acompanhamento.
Autor: Rev. Augustus Nicodemus
Lopes. Pastor na Primeira Igreja Presbiteriana de Goiânia. Conferencista
Internacional. Autor de diversos livros.
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