Uma das questões menos compreendidas nas últimas décadas é o impacto do
cristianismo na civilização ocidental. Pessoas simplesmente assumem valores que
conservam a sociedade coesa, como se sempre tivesse sido assim e como se isso
fosse continuar para sempre. Crentes se alienam em exercícios semanais de
devoção e excitação espiritual com poucos reflexos morais e nas atividades do
dia a dia. Vivem em staccato, de domingo a domingo, ansiando
pelos ajuntamentos, sem serem verdadeiramente sal da terra e luz do mundo.
Esquecem-se das lições da história, de que a Reforma do Século 16 tirou a
civilização ocidental das trevas características da idade média, com a sua
mensagem e influência.
Descrentes querem viver a vida moral dissoluta, mas dentro de uma
estrutura da sociedade que garanta sua segurança, seus bens, seu progresso
profissional, sua voz de reclamar, de reivindicar, de usufruir do avanço da
ciência e dos bens de consumo, de desfrutar as benesses do “capitalismo”, sem
se aperceberem que tais “direitos” vieram exatamente porque a sociedade
ocidental, ou a cultura judaico-cristã influenciou a construção dessa sociedade
em que vivemos e na qual estamos acostumados a coexistir. Estão cegos quanto ao
obscurantismo que impera nas regiões onde a influência do cristianismo cessou
de existir, ou onde ainda não chegou. Não enxergam os exemplos presentes e que
a norma, para uma humanidade caída em violência e pecado, é a desvalorização da
vida que se observa onde impera o islamismo, ou o hedonismo cruel das ditaduras
despóticas que adoram algum “líder supremo”, que assim se autoelege.
Na medida em que valores cristãos vão sendo ridicularizados e
descartados essa sociedade vai se fragmentando cada vez mais. Não é surpresa
para ninguém que a falta de ênfase primária à questão de segurança tem levado à
criminalidade desenfreada (pelos valores cristãos, este seria o propósito
principal do governo, segundo Romanos 13.1-7). A ignorância do valor da
honestidade (pelos valores cristãos, a cobiça é condenada) permeia não somente
os políticos e empresários corruptos, mas o dia a dia das pessoas, que também
querem levar vantagens indevidas. O descaso pela instituição do matrimônio
(pelos valores cristãos, é a união entre um homem e uma mulher), tem
desfigurado a célula mãe da sociedade e desnudado um futuro grotesco onde o
comportamento pecaminoso é glorificado e elevado como expressão máxima da
liberdade individual, que se coloca acima de qualquer padrão ou princípio. O
desrespeito à propriedade (pelos valores cristãos, o mandamento “não furtarás”,
continua válido, como os demais que regulam as relações entre os semelhantes),
tem levado a protestos ou reivindicações com quebra-quebras, invasões,
apropriações e espoliações do que é alheio.
Nesse cenário, algumas vozes, conscientes dos benefícios de uma
sociedade firmada em cima de princípios cristãos, têm proclamado que estamos em
outra era. Devemos mesmo é esquecer essa sociedade que conhecemos e admitir que
perdemos a guerra cultural. O mal venceu. A situação não vai melhorar e estamos
irremediavelmente fadados ao ostracismo, à rejeição, ao ridículo e até à
extinção como tribo defensora de valores e princípios ultrapassados. Nem todos,
mas muitos evangélicos, desde os rincões mais arminianos até os bolsões
conhecidos como reformados, têm abraçado esse entendimento.
O que fazer, então? A escritora Leah Farish[1] aponta algumas respostas que têm
surgido de autores fora do campo evangélico. O russo-ortodoxo Rod Dreher
escreveu um livro intitulado The Benedict Option (A Opção
Benedito), que vem causando furor e muita discussão, até em meios reformados.
Nesse livro, analisando a sociedade norte-americana, ele aponta a perda
inexorável dos limites de civilidade e a crescente hostilidade aos princípios
cristãos, de tal maneira que não há mais clima de diálogo, promoção ou
aprendizado dos valores cristãos. A solução, para aqueles que ainda presam
esses valores, seria se fecharem em comunidades nas quais esses princípios
pudessem ainda ser observados. Um outro autor, desta feita católico romano,
Alasdair McIntyre, também tem ideias semelhantes e advoga essa clausura de
autopreservação para que essa nova idade negra, na qual reinarão bárbaros
filosóficos, possa ser atravessada.[2]
As referências da Opção Benedito, são, em parte, a pontuações feitas
pelo atual Papa[3] (Benedito, ou Bento XVI). No entanto
a lembrança é levada, mais especificamente, ao Benedito (ou Bento) do 6º Século
d.C. (480-547 – não confundir com o Benedito do século 16, 1526-1589), quando
os cristãos fugiram dos bárbaros e se agruparam no deserto, carregando consigo
o germe redentor da civilização que estava em perigo. A referência é que a
barbárie demanda o retorno a um isolamento em mosteiros.
Mas será que essa análise está correta? Sem descartar a precisa visão
dos problemas filosóficos, éticos e comportamentais que nos assolam, as
soluções apresentadas não parecem se harmonizar com a visão de uma compreensão
bíblica adequada, resgatada pela teologia da Reforma do Século 16. A Bíblia não
ensina o monasticismo como solução à pecaminosidade do mundo (Assim orou Jesus:
“Não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal”, João 17.9), mas o
envolvimento firmado na verdade para que sejamos “sal da Terra” (Mateus 5.13),
preservando a sociedade na qual vivemos; e “luz do mundo” (Mateus 5.14); luz no
meio das trevas, apontando os caminhos e revelando a iniquidade pelo contraste
com a verdade proclamada.
Com isso parece concordar Leah Farish, que diz, no artigo já citado, “a
Opção Benedito contrasta com as raízes da fé reformada”! As 95 teses de Lutero
foram um manifesto explosivo contra a cultura reinante; Calvino lutou para
reformar o pedaço de civilização sobre o qual tinha autoridade e sua influência
sobre a cultura do mundo ocidental é imensurável. Pode haver alguma validade na
sugestão dos crentes verdadeiros se agruparem, em reflexão, para estudarem a
Palavra e delinearem estratégias sobre a batalha na qual já estamos envolvidos,
mas nunca recorrer à formação de um gueto cristão. Leah Farish relembra que os Judeus,
na Polônia, inicialmente ficaram satisfeitos em serem colocados em comunidades
reclusas, os guetos. Afinal, iam poder viver em paz, sem perseguição e praticar
sua religião. Mas, o extermínio foi o passo subsequente.
Como Paulo, reivindiquemos nossa “cidadania romana”, e proclamemos o que
temos de proclamar!
[1] Artigo
postado no site da World Reformed Fellowship (WRF): Is The Benedict
Option an Option?, disponível em: http://wrfnet.org/articles/2017/03/wrf-member-leah-farish-asks-benedict-option-really-option#.WNJ8rYWcGP8
[3] Por exemplo:
“Estamos nos movendo em direção a uma ditadura do relativismo, que não
reconhece nada como certo e cujo objetivo supremo é o ego e os desejos de cada
um”, citado em: http://www.catholic.org/news/national/story.php?id=34057
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